A Ressurreição de Cristo

por | 11/04/09 | Espiritualidade | 4 Comentários

A Paixão da Páscoa segundo os “Atos de João” [condenada pela Igreja Católica]
A passagem dos “Atos de João” que relata a crucificação e Ressurreição de Jesus Cristo foi lida e condenada no Concílio de Nicéia, em 325 d.C.
É a afirmação mais iluminadora que nos resta da visão gnóstica cristã primitiva:

E quando ele foi pregado na cruz, a escuridão recaiu na sexta hora sobre toda a terra.
E eis que meu Mestre estava de pé no meio da cova, iluminando-a, e disse:

“João, para a multidão lá em Jerusalém eu estou sendo cruxificado e perfurado por lanças e varas; vinagre e fel me foram dados para beber. Mas a você eu digo e preste atenção no que digo. Secretamente eu lhe fiz subir este monte, para que aprendesse o que um discípulo deve aprender do seu mestre, e o homem de Deus.”

Com essas palavras ele me mostrou-me uma cruz de luz, e em volta da cruz uma multidão indefinida. E naquela cruz de luz havia uma forma e uma aparência. E sobre a cruz eu vi o próprio Mestre e ele não tinha forma alguma, mas apenas voz; e uma voz não como a que nos era familiar, mas uma voz doce, suave e verdadeiramente de Deus, dizendo-me:
“João, é necessário que haja um que ouça de mim essas coisas, pois tenho necessidade de alguém que as ouça. Esta cruz de luz é às vezes chamada por mim de Palavra, para seu benefício; é chamada às vezes de Mente, às vezes Jesus, às vezes Cristo, Porta, Caminho, Pão, Semente, Ressurreição, Filho, Pai, Espírito, Vida, Verdade, Fé, às vezes Graça.
Assim ela é para os homens. Mas o que é na verdade, como concebida em si mesma e expressa entre nós, é a delimitação de todas as coisas, e a firme elevação de coisas fixas surgidas de coisas instáveis, e a harmonia da sabedoria – da sabedoria que é harmonia.
Mas há forças de direita e forças de esquerda, potências, poderes angelicais e demoníacos, poderes eficazes, ameaças, explosões de ira, diabos, Satanás e a raiz inferior da qual surgiu a natureza do Vir a Ser. E assim é essa cruz que uniu espiritualmente o Todo e que demarcou o domínio da mudança e o domínio inferior, e que fez com que todas as coisas se elevassem.
Não é aquela cruz, a cruz de madeira que você verá quando descer daqui; tampouco sou eu a quem você não consegue ver, mas cuja voz só você pode ouvir, o que está na cruz. Eu fui considerado ser o que não sou, não sendo o que era para muitos outros: o que eles dirão de mim é desprezível e não merecido por mim. Aqueles que nem me vêem nem podem nomear o lugar do silêncio, muito menos poderão ver o Senhor.
A multidão de muitas feições que se aglomera em volta da cruz é a natureza inferior. E se aqueles que você vê em torno da cruz não tem ainda uma forma particular, então todas as partes daquele que desceu ainda não se uniram. Mas quando a natureza da humanidade tiver sido elevada e uma geração de homens movidos por minha voz aproximar-se de mim, você, que me ouve agora, estará unido a ela e o que agora é não será mais. Mas você então pairará acima daqueles, como eu agora.
Porque enquanto você não se chamar a si próprio de meu, eu não serei o que sou. Quando você me ouvir, porém, será um ouvinte como eu próprio. Pois isso você é através de mim.
Por isso não se preocupe com os muitos e despreze os profanos. Saiba que eu formo um todo com o Pai e o Pai um todo comigo. Nada do que eles dirão de mim eu terei sofrido. Mesmo a paixão que eu revelei a você e aos outros, na dança circular, eu gostaria que fosse chamada de mistério. Pois o que você é, o que você vê, eu lhe mostrei: mas o que sou, apenas eu sei e nenhum outro homem. Permita-me então ficar com o que é meu, mas o que é seu, observe através de mim; e veja-me em minah essência, não pelo que eu disse que era, mas como você, que é meu próximo, me conhece.
Você ouviu dizer que eu sofri, mas não sofri.”

“Um não-sofredor eu fui, porém sofri.
Perfurado eu fui, porém não injuriado.
Pendurado eu fui, porém não pendurado.
Sangue escorreu de mim, mas também não escorreu.”

“Em resumo, o que eles dizem de mim, isso eu não sofri; mas o que eles não dizem, eu sofri. O que é, eu insinuo num enigma, pois sei que você compreenderá. Conheça-me, então, como o louvor da Palavras, a transfixação da Palavra, o sangue da Palavra, a ferida da Palavras, o pendurado da Palavras, o sofrimento da Palavras, a cravação da Palavras, a morte da Palavra. E assim em meu discurso distingui o homem de mim mesmo.
Primeiro, portanto, conheça a Palavra, a natureza interna, o significado. Então, você conhecerá o Senhor e, por último, o homem e o que ele sofreu.”

Quando ele acabou de dizer-me isso e ainda mais, que eu não sei dizer como ele gostaria que eu dissesse, ele se levantou e ninguém na multidão o viu. E quando eu desci, ri de todos, porque ele me contara o que tinham dito a seu respeito. Retive esta única coisa em mim mesmo: que o Senhor realizava tudo simbolicamente, para a conversão e salvação dos homens.

Fonte: CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus – v. 3. Mitologia Ociental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
Foto: Sacred Heart of Jesus, por mike52ad

4 Comentários

  1. cova-do-urso

    Gabriel

    Tenho acompanhado os últimos posts. Jesus é uma figura muito especial na minha vida. Boas amendas e ovos de Páscoa.

    Abraço

    António

    Responder
  2. Andressa

    Como podem ter condenado livros tão lindos e enriquecedores da bíblia sagrada?

    Responder
  3. Astrid Annabelle

    Gabriel!
    Quanto aprendizado nesse texto!
    Ficarei com esta imagem e meditarei a respeito.
    Outra coisa…
    agradeço suas palavras nos comentários do post de aniversário do Navegante, lá no Cova do Urso.
    Beijo grande
    Astrid

    Responder
  4. Gabriel Dread

    @Andressa: A Igreja Católica Apostólica ROMANA que estava se consolidando naquela época não podia admitir heterodoxia. Assim, perseguiu os hereges e baniu as heresias. (Heresia significa discordância).
    Atualmente, acredito que a Igreja não tem coragem de olhar para seu passado brutal e rever posições passadas que não fazem mais sentido hoje em dia.

    @Astrid: que bom que ainda sou capaz de te passar algum conhecimento! Achei que só eu aprendia com você! rsrsrsrs! Feliz Aniversário ao teu projeto!

    Abração
    Gabriel Dread

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *